sexta-feira, 30 de maio de 2008

A PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO SOBRE O QUERIDISMO PENAL

Desembargador Jacque T`enrabau.
Membro fundador do IBCCRÉU, autor do livro Direito Penal Total.

Certos tempos atrás ocorreram duas situações em meu cotidiano e que me levaram a refletir sobre a esquizofrenia existente em nossa sociedade: enquanto o povo brasileiro, em sua maioria, clama por Justiça, maior rigor nas leis, altas punições para os criminosos, o Congresso Nacional e parte do Poder Judiciário adotam evidentemente a postura do “queridismo penal”, aplicando o máximo de benefícios aos infratores da lei.
MÁXIMAS DO IBCCRÉU


As vozes que clamam a favor do Direito Penal Mínimo, no contexto atual, se ressentem, cada vez mais, de sustentação social, na medida em que a população, assolada diariamente pela atuação impune dos criminosos, e revoltada com a omissão estatal, clama por um Direito Penal mais forte, mais atuante, mais condizente com a realidade enfrentada pela parcela maior da coletividade, que não tem condições de se esconder sobre o manto de teorias penais ilegítimas. (O Direito Penal Máximo, in Revista APMP, ano IV, nº 35, p. 48).
As situações que ocorreram na mesma semana dizem respeito ao meu netinho, de nove anos de idade. Estava com ele em um Shopping Center e queríamos assistir a um filme – A Bússola de Ouro (saga de uma criança que acha uma bússola mágica e passa a viver várias aventuras com seres mitológicos e mágicos) - mas não pudemos assistir já que o limite mínimo de idade era de 10 (dez) anos. Eu, como um bom cumpridor dos meus deveres, acolhi a exigência imposta.
Dois dias depois, também com meu netinho, fui ao hospital para visitar um parente doente. Naquele local, também não foi permitida a entrada da criança, já que o limite mínimo de idade para ingresso no nosocômio era de 12 anos (segundo a recepcionista, para evitar riscos às crianças, tais como contaminações e também para que não presenciasse eventualmente alguma cena mais forte de morte ou acidente).
Pois bem, assistindo ao noticiário houve cobertura sobre mais uma das inúmeras rebeliões em presídios que acontecem todas as semanas pelo país, sendo que foram feitos reféns várias mulheres e crianças de todas as idades, inclusive bebês, já que o motim ocorreu em dia de visita.
Pensei comigo: uma criança não pode assistir a um filme dirigido ao público infanto-juvenil, nem fazer uma visita em hospital, mas pode entrar em um presídio onde se encontram assassinos, estupradores, maníacos e facínoras de todo tipo? E o direito das crianças e adolescentes a não ser expostos a riscos e a conviverem em ambiente sadio para sua formação?
Dirão os defensores dos réus que a criança tem direito a conviver com seu familiar, ainda que estando recluso em presídio. Contudo, é de se ponderar entre o direito à convivência e o direito à vida e dignidade destes infantes que estão expostos a todos os perigos que, diga-se de passagem, é provocado por seus próprios parentes que estão reclusos e que hoje em dia, nem mesmo respeitam mais a então regra de outro existente nos presídios: não fazer rebelião em dia de visita (isto foi rompido desde que o PCC organizou rebeliões simultâneas em presídios de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul).
Por que estes fatos me levaram a refletir sobre a dissonância entre o princípio democrático (vontade do povo) e o queridismo penal? Porque em todas as pesquisas de opinião, consultas, conversas de botequim, almoços de domingo, percebemos a revolta da população contra a balbúrdia e a desordem criminosa, enquanto o Congresso Nacional e parte do Poder Judiciário, ao invés de se afigurarem como uma caixa de ressonância da população, atuam sistematicamente em dissonância, liberalizando e aplicando um garantismo que é extremamente prejudicial à sociedade brasileira.
Apenas para que fiquemos em poucos exemplos em relação ao Poder Legislativo – todos já convertidos em lei, sem contar os inúmeros projetos de lei que tramitam no Congresso – pode-se citar a nova Lei de Tóxicos, que praticamente descriminalizou a conduta do uso de entorpecente, já que proibiu ao magistrado a conversão da pena restritiva de direito à privativa de liberdade.
Esta lei colocou o magistrado em uma situação, para dizer o mínimo, ridícula, pois caso o usuário não cumpra a pena que lhe foi imposta, restará ao Poder Judiciário adverti-lo e aplicar uma multa (?!?!).
Ora, o cidadão que não respeita sua família, que vende tudo que tem para conseguir entorpecente, e quando não tem mais nada, furta da própria mãe para sustentar seu vício, vai se preocupar em tomar uma “bronca” do Juiz e com a aplicação de uma multa?
O que aconteceu neste caso é que os Deputados e Senadores não tiveram a coragem de enfrentar a população e assumir a descriminalização do uso de entorpecentes e criaram esta figura esdrúxula de crime sem pena.
Às vezes, a atuação do Poder Legislativo acontece de forma velada, como ocorreu com o Estatuto do Desarmamento em sua edição e agora com nova edição de Medida Provisória para entrega de armas. Todos que operam com o Direito observaram que, com a previsão de entrega voluntária de armas, inclusive com indenização, houve a abolitio criminis do crime de posse de arma, inclusive com milhares de processos sendo extintos. Agora, nova oportunidade foi dada para a entrega de armas pela Medida Provisória 417/2008, sem que nenhuma exceção fosse feita sobre a permanência da criminalização da conduta àqueles que já foram presos, condenados ou estão sendo processados por posse ilegal de arma. Alguém tem dúvida de que este “esquecimento” foi proposital para beneficiar todos os infratores com nova abolitio?
Em relação ao Congresso Nacional até que não há muita surpresa, pois muitos – senão a maioria – dos que estão lá são objeto de processos criminais, ações de improbidade e investigações das mais variadas sobre todos os tipos de delitos que se possa imaginar.
Contudo, em relação ao Poder Judiciário, não se consegue entender o porquê desta posição tão lesiva à sociedade em geral e tão dissonante à vontade do povo.
Cito apenas dois exemplos. O primeiro deles diz respeito à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de ser inconstitucional a vedação de progressão de regime ao crime hediondo. Ora, esta decisão foi extremamente prejudicial à sociedade brasileira, colocando de uma só vez milhares de bandidos nas ruas com o cumprimento de apenas um sexto de suas penas, levando a uma situação de aumento de violência.
Ressalte-se que o próprio Supremo já tinha se posicionado antes pela constitucionalidade desta vedação. E então, os Ministros anteriores eram desconhecedores do Direito? Não entendiam nada de Direito Constitucional? Evidente que não. Esta foi apenas mais uma postura evidente da Corte Superior cedendo à pressão de advogados e em razão da superlotação carcerária, sendo que, ao invés de se construírem mais presídios opta-se por colocar os bandidos na rua.
É isto que necessita ficar claro à sociedade: Quando há duas interpretações possíveis e defensáveis por vários Tribunais e doutrinadores e o Juiz escolhe uma delas, não está ele fazendo um raciocínio jurídico, mas sim optando por uma vertente que externa seu ideologia e posicionamento político (no bom sentido e não no sentido partidário). Assim, deve ele prestar conta à sociedade sobre a responsabilidade social de sua decisão.
DECISÃO PORRETA

Furto de bem penhorado não livra depositário da prisão
Apenas o boletim de ocorrência informando o furto de bens penhorados não livra depositário infiel da prisão. A veracidade de seu conteúdo exige prova complementar. O entendimento é da Seção Especializada em Dissídios Individuais 2 do Tribunal Superior do Trabalho. Os ministros mantiveram o decreto de prisão da sócia da Gráfica Rossi Ltda., de Caxias do Sul (RS), considerada depositária infiel.
A empresária, nomeada depositária de duas máquinas de imprimir etiquetas, avaliadas em R$ 8 mil cada, deveria devolver os bens, mas não o fez, alegando que foram furtados. Após várias tentativas de resolver a questão, a 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul determinou a prisão civil da sócia da gráfica, considerada depositária infiel. O juiz apontou manobra fraudulenta por parte da empresária.
Segundo a primeira instância, no processo de execução “figuram como devedores um rol de sócios que têm por costume não cumprir as obrigações judiciais e ocultar patrimônio, servindo-se de vários expedientes ilícitos, dentre os quais criar novas empresas com os mesmos equipamentos”. A 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul concluiu que, após ter sido detectada a tentativa de fraude, “os devedores alienaram as máquinas penhoradas, tentando mascarar isso com alegação de furto”.
A sócia entrou com pedido de Habeas Corpus. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) concedeu a liminar. No entanto, ao receber as informações e analisar o mérito da ação, o TRT gaúcho revogou a decisão. Em mais uma tentativa de barrar a ordem de prisão, a empresária entrou com Agravo Regimental ao TST. Ao julgá-lo, a SDI-2 negou provimento, mantendo, assim, a decisão do TRT.
De acordo com a jurisprudência do TST, o boletim de ocorrência policial, sem outros elementos de convicção, não é suficiente para demonstrar a ocorrência de furto do bem. Para a ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora do Agravo, ficou demonstrada a condição de depositária infiel da empresária, devido à inexistência de provas de desvio involuntário ou caso fortuito que esclarecessem a não-restituição dos bens.
AG-HC-181.939/2007-000-00-00.0
Não se trata de uma posição científica asséptica, livre de qualquer responsabilidade, ao contrário, ela carrega toda uma responsabilidade que muitas vezes os julgadores tentam esconder atrás de um pseudo-raciocínio jurídico-científico.
Deveria a sociedade creditar a cada um dos Ministros do STF que votaram favorável à progressão do crime hediondo (que hoje foi corrigida parcialmente, exigindo-se no mínimo 2/5 da pena para o benefício) todos os estupros, assaltos, assassinatos e outros crimes cometidos pelos milhares de bandidos soltos em razão desta decisão e que deveriam estar encarcerados se houvesse cumprimento da lei.
O segundo exemplo é apenas para evidenciar a esquizofrenia abordada no primeiro parágrafo, entre a dissonância total da vontade social e o posicionamento do Judiciário. De tão absurdo, para dar maior credibilidade, passo a transcrever o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul:

AGRAVO CRIMINAL – MINISTÉRIO PÚBLICO – DEFERIMENTO DE PEDIDO DE VISITA ÍNTIMA ENTRE PRESIDIÁRIOS – VISITAÇÃO MEDIANTE ESCOLTA A CADA QUINZE DIAS – UNIDADE DA FAMÍLIA GARANTIDA COSNTITUCIONALMENTE – ART. 226, § 4º CF – GARANTIA À VISITA ÍNTIMA PREVISTA NO ARTITGO, 41, INCISO X, DA LEI 7.210/84 – DIREITO LIMITADO – DECISÃO MANTIDA. A família é a base da sociedade e tem proteção constitucionalmente garantida, assim como a Lei de execuções Penais garante o direito á visita íntima ao apenado, que deve ser deferido com vistas às restrições do caso concreto, posto se tratar de um direito limitado. Não obstante inexista norma legal autorizando o deslocamento, mediante escolta, não está impedido o magistrado de, discricionariamente, deferir pedido feito por apenada para visitar seu esposo, também preso em estabelecimento penal diverso, se esta é a única forma de garantir tais direitos. (Agravo Criminal n. 2006.004378-5, DJMS 1304, de 06/07/06)
Veja-se onde chegamos: o contribuinte brasileiro – que trabalha quase metade do ano para pagar impostos ao governo – terá que arcar com os custos do deslocamento de uma presidiária para que ela possa fazer sexo com outro presidiário! E, como todos sabem a estrutura de nosso aparato policial, se na hora deste transporte, você, cidadão de bem, for assaltado e chamar a polícia, tenha certeza, a resposta será a seguinte: - Infelizmente meu senhor, a nossa única viatura disponível está, com os três únicos agentes de plantão, atendendo às necessidades sexuais de dois presos do sistema carcerário, já que o direito deles é mais importante que o seu.
Não é à toa que, em data recente (23/04/2008), descobriu-se no presídio feminino de Campo Grande – MS a mais nova empresa telefônica do Brasil – a tele-vagina – já que com a adoção de um novo sistema de detecção de metais (um aparelho que as detentas sentam para verificar se não há objetos dentro do corpo), encontrou-se nada menos do que quarenta e três presidiárias com telefones celulares em suas vaginas.
Será que neste caso o Poder Judiciário dirá que o direito à comunicação é um direito básico que não pode ser negado aos presos?
É por todos estes argumentos que, embasado no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal (“Todo poder emana do povo...”) que defendo a supremacia do princípio democrático sobre este queridismo/garantismo penal que se instalou no País, sendo o mesmo inconstitucional, já que, o que se extrai da população é um só pedido: pau nos criminosos!!!!!

Um comentário:

HUGO DE BH disse...

COPIEI DO SEU TEXTO:

"Contudo, em relação ao Poder Judiciário, não se consegue entender o porquê desta posição tão lesiva à sociedade em geral e tão dissonante à vontade do povo".

É inquestionável que, antes de assumirem seus cargos, magistrados e membros do Ministério Público são submetidos a concursos públicos dificílimos (exceção feita aos membros de tribunais oriundos da advocacia).
Então, o que explicaria tanto "descolamento" e insensibilidade da jurisprudência - muitas vezes com parecer favorável do Ministério Público - ante a trágica realidade social de violência que atualmente se vive em todo o Brasil ?

NA MINHA OPINIÃO:

1- "Complexo de Deus": Um culto magistrado não há de submeter-se em suas sentenças à opinião ou ao clamor do povo, vítima da violência criminosa. Para isso, é que a Constituição assegura "independência do Poder Judiciário" Juiz não tem de dar satisfação de suas sentenças. Para garantir a independência, a magistratura dispõe, também, de carros oficiais, residências funcionais, proteção policial e outras mordomias que os deixam bem longe da violenta realidade do "povão", de modo que as decisões judiciais não sejam influenciadas por bobagens como asaltos, estrupos, assassinatos e chacinas.


2- Porque o Direito Penal não existe para ordenar a vida em sociedade, porém para que o magistrado possa revelar o seu "notório saber jurídico", aplicando as últimas novidades do direito penal alemão. Assim, fica bem na foto com os colegas da magistratura e ainda concorre a uma vaga no Supremo.

3- Para ser "politicamente correto" e mostrar que é um magistrado "progressista" em dia com as teses anti-burguesas da esquerda festiva.

4- Para mostrar que, algumas vezes, é preciso mostrar-se sensível aos interesses de Presidentes, Governadores, Prefeitos, Banqueiros etc. Afinal, ninguém sabe o dia de amanhã. Em futuro - próximo ou distante - um "reconhecimento" sempre será bem-vindo.

5- Outras possíveis explicações: Vide autos da "Operação anaconda"

OBS- Como membro aposentado do Ministério Púbico Federal, acrescento que minha opinião sobre esse comportamento acadêmico e "bonzinho" de grande parte da magistratura - sobretudo nos tribunais superiores - vale também para grande parte de meus colegas do Ministério Público, sem embargo de existirem muito magistrados lúcidos (sobretudo na 1ª instância), assim como bons promotores e procuradores.