sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A GOIABA E O MAMÃO NO CAFÉ DA MANHÃ DOS CORRUPTOS:

A GOIABA E O MAMÃO NO CAFÉ DA MANHÃ DOS CORRUPTOS:
IMPOSSIBILIDADE DE LEGISLAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA

Des. Jacque T’Enrabau
Sócio-fundador do IBCCRÉU


A prisão do banqueiro Daniel Dantas e sua quadrilha recentemente pela Polícia Federal e a concessão de habeas corpus pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal às 23:30 em Brasília, trouxe à tona novamente o velho sentimento na sociedade de que a Polícia prende e a Justiça solta.
Este é o verdadeiro café da manhã dos corruptos que temos visto nos últimos tempos: A goiaba (Polícia Federal e Justiça de Primeira Instância) prende e o mamão (Justiça – geralmente os Tribunais Superiores) solta. E o Brasil fica sofrendo com esta esquizofrenia em seu intestino moral.
Talvez seja temerário dizer quem esteja com a razão nesta queda de braço, mas alguns fatos merecem uma maior reflexão. São eles:
- quantas vezes será que um Ministro do STF ficou até às 23:30 horas em seu gabinete para despachar um processo de habeas corpus?
- será que quando há entrada de habeas corpus de furtos de galinha, traficantes de boca de fumo, e pobres em geral que são os grandes clientes das Varas Criminais do País, há tamanha presteza na apreciação das liminares?
- será que no prazo de poucas horas entre o ingresso do habeas corpus e o despacho da liminar houve tempo suficiente para a análise de um investigação que a Polícia Federal fazia há quatro anos?
Não é o autor deste texto que tem condições de responder estas questões. Cada um que reflita consigo sobre as possíveis respostas.
Outro fato que chama a atenção neste caso são as reiteradas manifestações do Presidente da Corte sobre a suposta pirotecnia da Polícia Federal na prisão de acusados de corrupção, criticando não só a exposição dos mesmos na mídia, como também o uso “abusivo” de algemas nestas prisões.
Não me recordo do Ministro ou qualquer outra autoridade haver criticado os programas diários policiais em que aparecem os bandidinhos pés de chinelo algemados – geralmente sem camisa – em frente ao brasão da Polícia que efetuou a prisão.
Nem me recordo também de qualquer crítica à exposição recente de um pedófilo preso em Estado do Nordeste do país que foi filmado algemado, também em frente ao escudo da polícia que efetuou a prisão.
Nestes casos pode? Será que em razão das condições econômicas do acusado? Novamente, não será o autor deste texto que dará a resposta.
A outra crítica do Ministro – utilização ‘abusiva’ de algemas – arrisco-me a responder: Ora, se foi decretada a prisão preventiva ou temporária de um réu, não cabe à Polícia fazer juízo de probabilidade ou discricionariedade em algemá-lo e coloca-lo em cárcere. Presume-se perigoso quem teve sua prisão decretada, até porque nunca se sabe quando poderá haver uma reação violenta ou desesperada de quem está sendo encaminhado a uma prisão.
Não há que se fazer distinção quando se prende um assassino de criancinha e quando há prisão de um corrupto da alta sociedade. Ao contrário, enquanto o assassino matou apenas uma, o corrupto matou centenas ao desviar os recursos que poderiam servir para um serviço de saúde melhor do que ocorre diariamente, com pacientes jogados em corredores e dezenas de bebês morrendo em Santas Casas sucateadas.
Mas a responsabilidade destes casos não pode ser atribuída somente ao Poder Judiciário, até porque são minoria os magistrados garantistas que sempre decidem a favor dos criminosos e contra a sociedade, dando-lhes sempre a interpretação mais branda da lei, ainda que fazendo uma interpretação elástica e irresponsável.
Grande parte do problema está na legislação que peca por excesso de garantias, e em muito se agravará com a recente reforma do Código de Processo Penal que veio, em sua maior parte, apenas para criar benefícios injustificáveis aos réus.
Para pontuar apenas três alterações esdrúxulas, cite-se a alteração do artigo 400 que previu o interrogatório do réu ao final da oitiva das testemunhas, ou seja, depois que ele ouviu todos os depoimentos tem a plena liberdade de inventar a estória que desejar.
Qualquer profissional que trabalha no dia a dia criminal sabe que, uma das grandes fontes para a descoberta da verdade real sempre foi as contradições entre o que é afirmado pelo réu e o depoimento posterior das testemunhas – principalmente da vítima – que geralmente desmontam a estória falaciosa contada pelo criminoso em sua defesa.
Também sem qualquer sentido foi a alteração prevista no artigo 155, segundo a qual o magistrado não pode usar as provas produzidas no Inquérito Policial como fonte para condenação. Ora, sempre houve jurisprudência no sentido de que estas provas não poderiam ser exclusivas para a condenação, mas, a sua utilização é lícita e bem vinda, pois colhida no calor dos fatos.
Mas o queridismo penal instalado no País inverte a realidade das coisas: coloca a Polícia como bandido e o bandido como santo, sempre injustiçado, vítima da sociedade, como se qualquer depoimento colhido pela Autoridade Policial tivesse presunção absoluta de inidoneidade.
A outra alteração ainda mais desarrazoada foi a do artigo 478, I, que determina a impossibilidade de leitura em plenário do júri da sentença de pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. Isto, aliado à impossibilidade de se pedir leitura de peças no julgamento, foi modificação que serviu exclusivamente aos interesses dos criminosos.
Ora, é princípio básico que o processo é público e o julgador – no caso os Jurados – têm direito a conhecê-lo e saber das peças que o integram. Como os jurados conhecerão e julgarão o caso omitindo-se o fato de que um magistrado (e Desembargadores, no caso de recurso) entendeu que havia plausibilidade de remeter o réu a julgamento em plenário?
Note-se que esta proibição é somente para os casos das decisões que confirmam a acusação e não se aplicam ao caso de eventual sentença de absolvição sumária eventualmente reformada. Nestes casos, os advogados poderão usá-la em plenário em favor dos criminosos.
Este tipo de alteração legislativa – juntamente com vários outros projetos que tramitam no congresso, inclusive os que tentam responsabilizar os integrantes do Ministério Público pessoalmente em casos de ações de improbidade julgadas improcedentes, nos levam a refletir a que tipo de interesses o Congresso Nacional está se submetendo. Com certeza, não são os interesses da sociedade, que, a cada dia, a cada escândalo, a cada tragédia, pede maior rigor na punição dos criminosos.
Aliás, é de se questionar a própria constitucionalidade de todas estas alterações pró-criminosos/corruptos, com fundamento no princípio da moralidade.
Parece-nos ser possível sustentar como corolário da moralidade o princípio da impossibilidade de legislação em causa própria. Ocorre que, segundo levantamento de uma revista semanal de grande circulação, uma boa parte dos integrantes do Congresso Nacional responde por ações de improbidade e criminais. Então se indaga: teriam eles condições morais para participar de votações que irão beneficiá-los diretamente em seus processos? Parece-nos que não.
Assim, poder-se-ia pensar em alegar-se até mesmo a inconstitucionalidade destes dispositivos por violar o princípio da moralidade, mas, de qualquer forma, quem decidiria é o próprio Supremo Tribunal Federal que, na composição atual, não está sendo caixa de ressonância dos anseios da sociedade.
Desta forma, seguindo-se no caminho em que se encontra o país, continuaremos com a constipação (prisão de ventre, má funcionamento) em nosso intestino moral com a laranja prendendo e o mamão soltando (se bem que, neste caso, está mais para diarréia), correndo, ainda, um sério risco de uma congestão social.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meus parabéns pelo belo texto, que exprime todo o meu sentimento acerca das últimas decisões absurdas do STF, o que acaba aumentando a sensação de insegurança (pessoal e jurídica) e sobretudo de impunidade.

Se toda a magistratura do país da mesma forma que vocês, estaríamos em situação melhor.

Abraço e, mais uma vez, parabéns por terem a coragem de expressar suas idéias de forma tão clara e coerente, vindo ao encontro dos anseios da sociedade.