sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A IMENSA INSIGNIFICÂNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

A IMENSA INSIGNIFICÂNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Des. Décio K. Cette
Da 3ª Câmara de Gás do Tribunal Criminal Arbitrário

Qual operador do direito penal que nunca ouviu falar de um tal príncípio da insignificância ?
Segundo essa excrescência enlatada (que valida o milenar adágio latino "minima non curat praetor", ou seja, o Direito não deve cuidar de coisas pequenas), afirma-se que se pode praticar crimes, desde que com moderação, devagarzinho. Por isso, desmatar apenas um alqueire de floresta amazônica; roubar quantia inferior a um mil reais; contrabandear apenas 10 caixas de cigarro; traficar somente dois papelotes de cocaína; estuprar a vítima por apenas um minuto e sem penetração total, tudo isso é permitido, pois não passam de condutas de “bagatela”, que não têm o condão de ofender a sociedade e caracterizar a chamada ‘tipicidade delitiva material’.
Pasmem os leitores que não têm conhecimento desse fato, mas o Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do TJMG (processo 2.0000.00.324094-0/0001), já chegou ao absurdo de, em um caso de roubo qualificado (violência + subtração ), desclassificar o crime do art. 157, §2º., II, do CPB para o art. 129, caput (lesão corporal leve), julgando extinta a punibilidade por falta de representação da desditosa vítima. Isso porque ela “apenas” tinha sido atacada por dois bandidos com socos e pontapés no rosto, subtraindo-lhe os meliantes somente aquilo que trazia consigo, ou seja, um par de chinelos e um boné.
Para mim, com todo respeito, o princípio da insignificância, essa aberração jurídica que teima em ser invocada toda vez que o juiz covardemente não quer condenar o meliante, não pode servir de pretexto à absolvição daqueles que delinqüem em parcelas ou com comedimento.
Qual a diferença de se estuprar a vítima por um minuto ou por meia hora ? Qual a diferença de se agredir a vítima com um bastão de 40 cm ou de um metro, subtraindo-lhe dez ou cem reais ? Tudo isso não é vedado pelas normas penais vigentes ??? Já é hora dos juízes perceberem que não são legisladores e que devem julgar com a lei, e não a lei.
Como já decidido, com razão:
"É impossível o reconhecimento da atipicidade do crime de furto por aplicação do princípio da insignificância ou de 'furto de bagatela', não consagrados pela legislação penal brasileira, de modo que, violada efetivamente norma penal, deve ser responsabilizado o agente infrator, inimportando o valor da coisa subtraída e sua insignificância no contexto econômico ou no patrimônio da vítima ou do réu, não implicando a ausência de lesão em descriminação, pois, independentemente de valores reais econômicos, o que se preserva com a responsabilização do agente que se dispõe a burlar a lei penal são os valores morais, cobrados pela sociedade." (TACrimSP, AC. 1330533/5, Rel. Luis Soares de Mello, 11ª Câmara, DJ. 11.11.2002).

O princípio da insignificância, adequado à realidade européia, não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, que se contenta com a tipicidade formal. Ressalte-se que a admissão de tal princípio estimula a reiteração de pequenos delitos, instaurando-se na sociedade verdadeiro sentimento de impunidade. Recurso improvido. (Apelação Criminal nº 2.0000.00.486673-9/000, Rel. Des. Hélcio Valentim, 5ª Câmara Criminal do TJMG, DJ 03.09.2005)

Em tudo e por tudo descabida a invocação do princípio da insignificância, - essa extravagância teorética que, infelizmente, anda a correr mundo e a fazer fortuna -, porque uma floresta inteira se pode devastar, cortando uma árvore, hoje, duas amanhã, cinco mais adiante. O bem jurídico tutelado é a integridade florestal, contra a qual se pode atentar tanto por miúdo quanto por grosso, sendo igualmente reprováveis e penalmente relevantes ambas as modalidades de destruição (TACRIM-SP – 7ª Câm. – Ap. 1.018.635-9 – Rel. Corrêa de Moraes – RJTACrim 32/14)

Como bem ressaltado pelo Des. Tibagy Salles, em voto divergente do Des. Alexandre Carvalho, no processo acima citado:
Fazer o Direito caminhar a passos largos, à frente do progresso social, é tão perigoso quanto retornar às barbáries medievais, pois sendo "a necessidade indeclinável para uma convivência social ordenada", nas palavras de Miguel Reale, o Direito deve se pôr a serviço da sociedade, em função desta, evoluir, modificar-se, adaptar-se a novas verdades, novos conceitos, novos paradigmas, e não forçar a evolução desta de forma a moldar-se a novas correntes filosóficas ou sociológicas. Distanciar o direito da sociedade, para qualquer que seja a direção, é o caminho mais curto para se cometer injustiças, e, em última análise, promover o caos social.
O que não podemos tolerar é que aqueles que têm a missão de velar pela aplicação da lei, queiram se converter em legisladores, invadindo seara alheia, que é da competência exclusiva do Legislativo, criando verdadeiro Código Penal alternativo. A atividade legiferante não é simples, e precisa, a todo tempo, ser lapidada.
Contudo, tal tarefa escapa à função do julgador ou a qualquer outro agente que interfira no processo de aplicação da lei, visto que, se assim agirmos, ao invés de conseguirmos a tão almejada justiça, seremos considerados agentes da incerteza e da insegurança social, criando um verdadeiro caos no Direito Penal".

Enfim, já é mais do que hora de se concluir que diante de nossa realidade jurídica e social deve ser encarada como sendo simplesmente imensa a insignificância do princípio da insignificância.
Os juízes que quiserem, por covardia social, absolverem seus “coitadinhos”, que arranjem outro pretexto. Esse é simplesmente insignificante.

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